

CORAGEM DE FUGIR
É MEDO DE FICAR
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17.05.2021


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“Dia e noite, a ideia fixa. Não que precise chegar a alguma coisa, o que é preciso é sair de onde estamos.”

- Marguerite Duras, O Amante.
Um caderno desgastado onde a última página não indica um fim e a primeira não indica um caminho. Onde as folhas podem ser embaralhadas, rearranjadas. Folhas encontradas em armários, rasgadas, queimadas e afundadas na borra do café de todo dia, escoram imagens e palavras. Imagens escritas por palavras. Palavras desenhadas em imagens. Fotografias realizadas nos últimos anos, emaranhadas com fragmentos e páginas de livros arrancadas em viagens. Livros que dentro das viagens, criam casa.
Coragem de fugir é medo de ficar. Essa frase que antes de nomear caderno, é a frase no papel colado no espelho do quarto quando aos 15 anos, ainda na casa dos pais. Aos 16, a casa já era outra. aos 27, já não se sabe onde.





“Entre o fugir e o ficar,
a contradição do partir.”

Verbo imperativo para quem compreende o caminho como lugar habitável. não por seu espaço, mas por sua possibilidade de acaso. Como se o movimento pudesse explicar a forma do corpo existir. Uma forma irreversível. Uma ampulheta de areia que vai e volta. areia que presa à fronteira do tempo, se deforma para encontrar uma nova forma que lhe caiba. Ela não é mais a mesma, a areia, porém seus grãos continuam intactos. Sua única função é ir e vir, sem ali saber se vai ou se volta.






É no meio, nesse limiar abandonado, que a imagem se constrói.
No andar que dá vida ao tempo, que cria chão para quem vive só, que inventa o toque para quem só sabe observar.
Nesse caminho onde acontecem as coisas as quais ninguém mais poderá ver. Onde não há testemunha, só existe ficção.

Esses espaços deixados ocupam outros lugares. aquilo que fica para trás permanece em todas as manhãs ao acordar em camas estranhas. Lugares para repousar o corpo e vagar a estrada ainda sem vestígios.

O andar, como essas páginas que se atravessam, poderia ser também, além de uma ampulheta, um infinito jogo de dados que, nas palavras de Mallarmé, são incapazes de abolir o acaso. a distração de quem tem medo de chegar a algum lugar, de quem teme o pouso por não querer olhar para trás. Reminiscência da infância ou saudade do futuro?




Lá no horizonte, apenas uma linha mal tracejada, quase apagada.
Chegar talvez seja apenas miragem.
Bárbara Bragato

