

MINHAS ESQUINAS
MAIS SOMBRIAS
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05.04.2021


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Me lembro da primeira vez que aconteceu.
Era 30 de maio de 2015 e o nome dele era Rodrigo. Pediu cinco reais para cada uma das revistas pornô. “Era um achado”, dizia ele. Eu nem queria fazer a foto, para falar a verdade. Estava lá porque era um trabalho da faculdade - cobrir os hipsters do Sexta-Jazz bebendo vinho ruim e pagando pouco. Mas naquele momento estava fotografando outra pessoa e ela disse para o viciado: “Levo todas por dez, mas só se tu aparecer na foto também.”

O caminho das minhas esquinas mais sombrias custou dez reais. Um preço baixo pela intimidade de um viciado, se você for ver bem.

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O viciado disse que, pela seca da pedra, faria meu amigo e eu por dez reais. Naquela noite eu achei que tinha visto a verdadeira face da sociedade, e ela era feia. A Rua - com o R maiúsculo, porque é assim que damos nome a deuses é o avesso das calçadas. Não é como uma divindade de poder metafórico. É como um rio, imenso em sua indiferença para estender as mãos aos afogados.
Em 2016 eu tinha um coração partido e a sensação de que era muito ingênuo para continuar vivendo daquela maneira. Eu necessitava ver a vida como ela é. E porque eu tinha um coração partido e uma inexplicável sensação de que a dor dos outros me daria humildade, eu paguei ela pelas fotos. Um preço baixo para ver a vida como ela é, se você for ver bem.
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O que me impediu de enveredar adiante, para esse caminho cru e bruto da sociedade, não foram os pesadelos, ou o assalto no terminal velho de Florianópolis, os impulsos suicidas ou as longas sessões de terapia contra depressão. Não, o que me tirou das minhas esquinas mais sombrias foram meus estranhos amigos.
Trabalhar à noite diminuiu a quantidade de sorrisos que eu recebia por dia e aniquilou os que eu retribuía. Sorrir doía os músculos. Mas não quando Jair, o professor, me agradecia jurando que eu era dono de um futuro brilhante, ou que Ligeirinho, entre o vício e a esperança, me exibia os esburacados dentes risonhos, porque gostava da minha companhia.

Meus estranhos amigos ensinaram que muito da Rua era ruim porque eu queria que ela fosse assim - logo, eu só via isso. Amigos que somem quando o dinheiro vem e a fissura bate, você nunca sabe se voltam. Tudo o que precisei foi perder amigos para o desconhecido. Um preço alto para ver que não sei nada da vida.
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Há um limite do quanto é real na dor dessas fotos. Quando você passa tempo demais fotografando o que você não gostaria, fica difícil separar o que é ruim porque é e o que é ruim porque você quer que seja.
Não voltarei a fotografar a Rua até que isso entre em equilíbrio. Não enquanto não aprender a fotografar as coisas por outra via. Uma que não seja a do ódio puro. Acho que preciso aprender a amar antes de clicar outra vez, e isso talvez leve tempo.

Até lá, ainda ouço os ventos nas minhas esquinas mais sombrias. Eles uivam alto quando a noite cai.


