

DE ONDE VOCÊ ME VÊ
EU NÃO ME ENXERGO
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15.03.2021


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"Esta é uma série de retratos sobre como eu enxergo meus afetos e como eles me enxergam."

A série toca nos encontros e disparidades entre quem se expõe e quem observa. Com o título de uma poesia que escrevi há uns dois anos, a série surgiu por conta de uma exposição que fui convidada a fazer. Sabia que faria retratos, então juntei várias das fotografias que fiz ao longo dos últimos anos e comecei a perceber que muitas conversam entre si e transmitem uma sensação de voyeurismo. Vai além de entender como os retratados me enxergam enquanto os fotografo, é sobre uma autoconsciência que surge depois que a foto foi feita, onde eles são capazes de enxergar como eu os enxerguei.



Quando fui à casa do meu amigo Júlio para retratá-lo, em algum momento ele foi para a cozinha pegar um copo d'água para mim. Eu o acompanhei e vi essa cena, dele na pia da cozinha com esse contraluz belíssimo. Fotografei. Depois fui buscando situações em sua própria casa que não parecessem posadas - apesar de serem.
Eu estava registrando com uma câmera em que eu ainda estava entendendo sua mecânica - uma Mamyia C33. Quando o filme foi revelado, somente esta e outra foto do rosto de Júlio saíram. Nenhuma outra saiu - como se o filme não tivesse sido exposto à luz. As duas que foram reveladas foram justamente as que foram registradas num momento de espontaneidade.
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Montei essa série para questionar a autoconsciência que se dá a partir do momento em que me disponho a retratar alguém. Penso em como as pessoas vão enxergar os retratados, como elas vão me enxergar enquanto artista.
Fotografia pra mim é memória, é documento histórico, não no sentido positivista da expressão, porque nenhuma fotografia é imparcial ou neutra. Mas documento histórico no sentido de provar a existência de uma relação, de afetos, entre eu e as pessoas que fotografo.






Quando comecei a fotografar, dizia que só registraria em preto e branco. Eu amo como esta estética me leva para outros universos, outras possibilidades. A fotografia em cor, na época, para mim era algo muito realista por assim dizer. Muito crua. Até hoje o preto e o branco trazem um pouco deste mistério que busco nas minhas imagens. Me traz uma possibilidade de contraste de luz mais marcante e me leva para esse mundo que só é possível através de um olhar diferenciado sobre uma realidade.
Acredito que os retratos são encontros e todos eles tem um pouco do retratado e de quem retrata. Por este motivo, retratar meus amigos e questionar a maneira com que eles me enxergam foi fundamental para me pôr visivelmente em uma posição - ainda que escondida, quero trazer uma perspectiva, me colocando no meio. Todos os registros foram imagens muito espontâneas, eu dificilmente penso em retratos posados. Para mim - enquanto fotógrafa e tímida - acredito que pedir para alguém posar pode endurecer esse encontro.
A maior parte dos retratos foram feitos à noite. Gosto muito de fotografar à noite porque é onde a luz não é óbvia, ou seja, eu preciso procurá-la para conseguir fazer o registro que eu quero. Eu preciso posicionar a pessoa que vou retratar e encontrar o rosto dessa pessoa à luz.
As fotos mais antigas dessa série são as de 2017. Porém, muitas delas foram feitas durante a pandemia, inclusive os autorretratos - uma prática que voltei a exercitar durante este período. Acho importante o exercício de se retratar de diversas formas. Passado um tempo, olhando para essas fotografias, parece que você lembra exatamente o que te motivou a apontar a câmera para si, e isso pode trazer consigo um aprendizado importante sobre si mesmo.

“Me coloco neste espaço expositivo aceitando que talvez eu nunca me enxergue da forma que as pessoas me enxergam.”


